Continuando com a minha história, as tias de minha mãe, tinham a viver com elas, sua mãe, uma senhora já muito velhinha, avó da minha avó, portanto bisavó de minha mãe e, chamada Cândida


Era ceguinha devido à idade, pois tinha cento e poucos anos. A senhora tinha um grande carinho pela minha mãe, que lhe retribuía. Minha mãe contava-me que quando fez seis anos, foi para a escola.


A bisavó, ficava sentadinha na sua cadeira, ansiosa por ouvir os passos da sua Beatriz, ao regressar da escola. Ela tinha sempre um miminho guardado para a minha mãe. Quando a empregada lhe levava o lanche a avózinha tirava sempre um bolinho ou um pouco de pão, que escondia entalado na dobra dos joelhos, e quando a netinha Beatriz chegava da escola, ia cumprimentá-la e ela tirava da dobra do joelho esse bolinho ou bocadinho de pão, e sorrateiramente, metia-o nas mãos de minha mãe, dizendo: "Toma filha, que guardei para ti". Minha mãe dizia-me que comia essas coisinhas com tanto gosto, pois nada lhe sabia tão bem como aqueles miminhos da avozinha.

Foto tirada na nossa "xitaca" em Silva Porto. Nossa mãe, irmão Francisco, irmã Lili, cunhada Guida, Nina, Mimi, e sobrinhos da Guida





Foto tirada à frente da nossa casa em Silva Porto. Mamã, Papá, António, Lili, Nina, Mimi, o Senhor Dantas e seus dois filhos

Às vezes as tias viam a senhora a esconder esses miminhos, e diziam: "Oh mãe! Não esteja a guardar nada para a Beatriz, porque o lanche dela já está guardado". A avozinha, era muito religiosa, muito crente em Deus e ensinava à sua Beatriz as orações com toda a Fé. Um dia, disse ela à minha mãe: "Filha, quando eu estiver para morrer, e se tu estiveres perto, diz-me assim: Lembra-te do Santo Nome de Deus".


Um dia, a avózinha caiu da cama, era daquelas camas altas de antigamente, partiu a perna junto à coxa e não recuperou mais. Esteve muito doente e com muita tristeza, minha mãe apercebendo-se que ela ia morrer, lembrou-se do que ela lhe tinha pedido. Agarrou nas suas mãozinhas, juntou-as, e disse-lhe: "Avózinha, lembra do Santo Nome de Deus". A avózinha reagiu, apertou-lhe as mãos e disse baixinho: "Sim filha, lembro-me do Santo Nome de Deus".





A avozinha, morreu no dia de Santa Cândida, Santinha do seu nome, e com a idade de 104 anos. Para a minha mãe, a sua bisavózinha era Santa, pois contava-lhe muitas passagens da Bíblia Sagrada, e muita coisa que ela dizia, acontecia. Que Deus a tenha no Céu, juntamente com minha mãe, que também já lá está.


As tias de minha mãe, tinham uma empregada que se chamava Bárbara, já era velhota, era uma senhora muito estimada pelas patroas, pois foi lá criada desde menina, pela família. Também gostava muito de minha mãe, escondia sempre que podia as traquinices da sua menina.


Minha mãe contava-me que em criança era muito malandra. Ela adorava o mar e sempre que podia fugia de casa e ia brincar para a praia, adorava ir para os rochedos apanhar "lapas", punha-as no regaço do vestido e ia apanhando, apanhando, esquecendo-se do tempo. Quando regressava já sabia que ia apanhar uma tareia das tias, e muitas vezes, a Barbara defendia-a com desculpas.


O tempo passou, minha mãe fez-se mulher e um dia um primo dela já casado, resolveu embarcar para Angola e convidou a Beatriz para ir com eles. Minha mãe tinha a idade de 16 anos. Ao princípio, ela achou horrível sair de Cabo-Verde, mas os primos insistiram e convenceram-na. Ele chamava-se "o primo" Neves. O mais difícil, seria conseguir o consentimento do pai e das tias. Mas, depois de muita conversa os primos lá os convenceram, ou era já, a força do Destino, e a minha mãe embarcou para Angola, no ano de 1914.


Antigamente, uma viagem de barco para Angola durava quase um mês, minha mãe contou-me que foi horrível, ela enjoou todo o tempo mal saia do camarote e portanto passou o tempo sempre deitada na cama.


Esqueci-me de dizer, que a tia Emília ou Elisa, era dona do Hotel de São Vicente, naquele tempo, o único que lá havia, era enorme, ocupando um quarteirão da avenida principal. Ali se hospedava muita gente que ia nos navios que partindo de Portugal e de outros países, iam de passagem para a América. Ela era viúva e muito respeitada. Muito amiga de ajudar os pobres.

Meu pai, com sua sobrinha Aurélia, filha de sua irmã Constança





Maria Manuela - MIMI ( 4 anos), Maria do Carmo - NINA ( 2 anos) em Silva Porto, Angola

Aos sábados, os mais necessitados iam ao Hotel, onde a tia Emília mandava distribuir-lhes um prato de sopa e pão e fazia questão, que a água que eles pediam para beber, lhes fosse servida num copo de vidro, como prova de respeito. Todas estas coisas me contava minha mãe e que eu ouvia com muito gosto.



Também meu avô, pai de minha mãe, era muito estimado e respeitado em Cabo-Verde. Solicitavam-lhe a sua ajuda como advogado, e estava sempre disposto a ajudar os pobres. Era padrinho da gente mais humilde, que lhe chamava "Djó Dó Dó", que em dialecto cabo-verdiano é uma expressão carinhosa. Todo o cabo-verdiano o conhecia por esse nome, segundo nos contavam os senhores amigos, naturais de Cabo-Verde, que iam para Angola, mais propriamente para Silva Porto. Eles contavam a meus pais que meu avô era um bom advogado e que naquela época era conhecido em todo o lado, tinha bons conhecimentos em Portugal e também colegas de curso.



Um dos seus grandes amigos, foi o general Silvino Silvério Marques, que foi Governador-Geral de Angola. Outro seu grande amigo, e da família, era o Governador do Distrito do Bié, com capital em Silva Porto, senhor Hortênsio Estevão de Sousa, também cabo-verdiano, que era primo do Albertino Henrique de Sousa, Chefe do Posto Administrativo do Dirico, junto à fronteira com o Sudoeste Africano, e que era casado com a prima de minha mãe, Maria da Luz.



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